Sonntag, 22. April 2007

lost in translation

Já faz mais de dois meses que eu estou em país estrangeiro. As alegrias à parte, que hoje eu vou falar de tragédia.

Faz dois meses que eu cheguei e imediatamente comecei, sem nenhum aviso, a me perder sem controle: a deixar pelo caminho uns pedaços meus que eu não consigo traduzir para os outros de jeito nenhum. Se isto é mesmo trágico como me parece, e não deve ser, é porque os pedaços mais difíceis são muitas vezes os pedaços que mais definem uma pessoa - como cumprimentar se apresentar entrar sentar na roda beber cerveja comer pizza e dar risada.
Aqui, a língua nova só me faz gaguejar pensando na gramática correta, e todo mundo precisa de alguma naturalidade para se... ser. E até agora, eu ainda não tive tempo/coragem de voltar para procurar os meus trechos perdidos, para tentar recuperar aquele meu jeito de sempre de contar conhecer conversar - e de tantos mais outros verbos que eu, nesta língua, só aprendi a conjugar.
E eu tenho três medos. Um: de de repente me ver não sabendo mais ser uma pessoa, por ter passado tanto tempo assim sem nenhuma tradução. Dois: de que alguém um dia desses me busque em uma versão livre qualquer e encontre uma pessoa ainda pior do que eu, e me odeie por isso. Três: de que ninguém sequer tente me traduzir por além destas minhas aparências - o que seria ainda mais terrível do que não saber ser uma pessoa e ser uma pessoa pior (?).
Mas ao mesmo tempo persiste na minha lembrança a idéia muito clara do tempo recente em que eu não estava em país estrangeiro: todos os países são estrangeiros. Todos estamos - sempre - em parte ou completamente perdidos em alguma tentativa fracassada de comunicação. Tudo interpreta tudo, e em nenhum momento desde que chegamos ao mundo nós deixamos de ser o desejo, a necessidade ou o próprio reflexo de alguém.

Nós estamos sempre perdidos, porque nunca somos nós mesmos.

(E que venham as alegrias!)